Artigos › 21/12/2023

Declaração doutrinária abre para bênçãos para casais de nova união e casais homoafetivos

Diante do pedido de duas pessoas para serem abençoadas, mesmo que sejam casais de nova união ou casais homoafetivos, será possível para o ministro ordenado, padres e diáconos, consentir. Mas sem que esse gesto de proximidade pastoral contenha elementos minimamente semelhantes a um rito matrimonial.

Isso é o que diz a declaração “Fiducia supplicans” sobre o significado pastoral das bênçãos, publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé e aprovada pelo Papa Francisco nessa semana. Um documento que aprofunda o tema das bênçãos, distinguindo entre as bênçãos rituais e litúrgicas e as bênçãos espontâneas, que se assemelham mais a gestos de devoção popular.

É precisamente nessa segunda categoria, as bençãos espontâneas, que agora contemplamos a possibilidade de acolher também aqueles que não vivem de acordo com as normas da doutrina moral cristã, mas pedem humildemente para serem abençoados. Desde agosto, de 23 anos atrás, o antigo Santo Ofício não publicava uma declaração (a última foi em 2000, “Dominus Jesus”), um documento de alto valor doutrinário.

 

O Documento

“Fiducia supplicans” começa com uma introdução do prefeito, cardeal Victor Fernandez, que explica que a declaração aprofunda o “significado pastoral das bênçãos”, permitindo que “sua compreensão clássica seja ampliada e enriquecida” por meio de uma reflexão teológica “baseada na visão pastoral do Papa Francisco”. Uma reflexão que “implica um verdadeiro desenvolvimento em relação ao que foi dito sobre as bênçãos” até agora, chegando a incluir a possibilidade “de abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo, sem validar oficialmente seu status ou modificar de qualquer forma o ensino perene da Igreja sobre o casamento”.

Após os primeiros parágrafos (1-3), em que o pronunciamento anterior de 2021 é lembrado e agora ampliado, a declaração apresenta a bênção no sacramento do matrimônio (parágrafos 4-6), declarando “inadmissíveis ritos e orações que possam criar confusão entre o que é constitutivo do matrimônio” e “o que o contradiz”, a fim de evitar reconhecer de alguma forma “como matrimônio algo que não é”. Reitera-se que, de acordo com a “doutrina católica perene”, somente as relações sexuais dentro do casamento entre um homem e uma mulher são consideradas lícitas.

Um segundo grande capítulo do documento (parágrafos 7-30) analisa o significado das várias bênçãos, que têm como destino pessoas, objetos de devoção, lugares de vida. O documento lembra que, “de um ponto de vista estritamente litúrgico”, a bênção exige que o que é abençoado “esteja em conformidade com a vontade de Deus expressa nos ensinamentos da Igreja”. Quando, com um rito litúrgico específico, “se invoca uma bênção sobre certas relações humanas”, é necessário que “o que é abençoado possa corresponder aos desígnios de Deus inscritos na Criação” (11). Portanto, a Igreja não tem o poder de conferir uma bênção litúrgica a casais irregulares ou do mesmo sexo. Mas é preciso evitar o risco de reduzir o significado das bênçãos apenas a esse ponto de vista, exigindo para uma simples bênção “as mesmas condições morais que são exigidas para a recepção dos sacramentos” (12).

Depois de analisar as bênçãos nas Escrituras, a declaração oferece um entendimento teológico-pastoral. Quem pede uma bênção “se mostra necessitado da presença salvadora de Deus em sua história”, porque expressa “um pedido de ajuda de Deus, uma súplica por uma vida melhor” (21). Esse pedido deve ser acolhido e valorizado “fora de uma estrutura litúrgica”, quando se encontra “em uma esfera de maior espontaneidade e liberdade” (23). Olhando para elas da perspectiva da piedade popular, “as bênçãos devem ser valorizadas como atos de devoção”. Para conferi-las, portanto, não há necessidade de exigir “perfeição moral prévia” como pré-condição.

Aprofundando essa distinção, com base na resposta do Papa Francisco às dubia dos cardeais publicada em outubro passado, que pedia um discernimento sobre a possibilidade de “formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam uma concepção errônea do matrimônio” (26), o documento afirma que esse tipo de bênção “é oferecido a todos, sem pedir nada, fazendo com que as pessoas sintam que continuam abençoadas apesar de seus erros e que “o Pai celeste continua a querer o seu bem e a esperar que elas finalmente se abram ao bem” (27).

Existem “várias ocasiões em que as pessoas vêm espontaneamente pedir uma bênção, seja em peregrinações, em santuários, ou mesmo na rua quando encontram um sacerdote”, e tais bênçãos “são dirigidas a todos, ninguém pode ser excluído” (28). Portanto, permanecendo proibido de ativar “procedimentos ou ritos” para esses casos, o ministro ordenado pode unir-se à oração daquelas pessoas que “embora em uma união que de modo algum pode ser comparada ao matrimônio, desejam confiar-se ao Senhor e à sua misericórdia, invocar a sua ajuda, ser guiados a uma maior compreensão do seu plano de amor e de verdade” (30).

O terceiro capítulo da declaração (parágrafos 31-41), portanto, abre a possibilidade dessas bênçãos, que representam um gesto para aqueles que “reconhecendo-se indigentes e necessitados de sua ajuda, não reivindicam a legitimidade de seu próprio status, mas imploram que tudo o que é verdadeiro, bom e humanamente válido em suas vidas e relacionamentos seja investido, curado e elevado pela presença do Espírito Santo” (31). Essas bênçãos não devem ser normalizadas, mas confiadas ao “discernimento prático em uma situação particular” (37). Embora o casal seja abençoado, mas não a união, a declaração inclui entre o que é abençoado o relacionamento legítimo entre as duas pessoas: na “breve oração que pode preceder essa bênção espontânea, o ministro ordenado pode pedir paz, saúde, espírito de paciência, diálogo e ajuda mútua, bem como a luz e a força de Deus para poder cumprir plenamente a sua vontade” (38). Também é esclarecido que, para evitar “qualquer forma de confusão e escândalo”, quando um casal irregular ou do mesmo sexo pede uma bênção, “ela nunca será realizada ao mesmo tempo que os ritos civis de união ou mesmo em conexão com eles. Nem mesmo com as roupas, os gestos ou as palavras próprias de um casamento” (39). Esse tipo de bênção “pode encontrar seu lugar em outros contextos, como uma visita a um santuário, um encontro com um sacerdote, uma oração recitada em um grupo ou durante uma peregrinação” (40).

Por fim, o quarto capítulo (parágrafos 42-45) nos lembra que “mesmo quando o relacionamento com Deus está obscurecido pelo pecado, sempre é possível pedir uma bênção, estendendo a mão a Ele” e desejá-la “pode ser o melhor possível em algumas situações” (43).

 

Confira a íntegra do documento, AQUI.

 

 

Fonte: Vatican News