A Voz do Bispo › 30/09/2017

Vontade humana e vontade divina

Conhecer e fazer a vontade de Deus é o convite constante que Jesus nos faz no seu Evangelho, nos ensinou a pedir isso ao Pai na oração que nos ensinou. Quando comunicam a ele que a mãe e os irmãos o estão procurando, responde: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”.

Perceberam que Jesus deixa claro que na dinâmica do Reino surge um novo vínculo, um novo parentesco que faz do povo de Deus um povo de irmãos que tem como ideal a busca do Reino de Deus e a sua justiça confiantes que tudo o resto será dado por acréscimo.

Além disso, aprendemos também do seu Evangelho que ouvir a Palavra e entende-la é condição para produzir frutos em nós. Produzir frutos equivale a ouvir e praticar a palavra de Deus, ou seja, estar na vontade de Deus.

Não é tão fácil distinguir coisas que têm dimensões divinas, que fazem parte do Reino de Deus e as realidades do reino humano. As duas se complementam, porque em ambas o objetivo é a prática de vida das pessoas que estão em conformidade ou não com o pensamento de Deus. A forma da ação divina e do querer de Deus deve ser percebida pelas criaturas humanas escutando sua consciência e ouvindo a Sagrada Escritura, ou mesmo contemplando a criação, qual livro escrito por tantas letras quantas são as criaturas do universo. As decisões do ser humano devem estar fundamentadas no livre-arbítrio e na responsabilidade.

A vida no mundo pode ter caminhos tortuosos, indignos e desproporcionais em relação aos princípios do querer divino. A vontade de Deus está expressa na Sagrada Escritura e no coração humano honesto. Seu objetivo é chegar ao coração das pessoas para que elas superem todos os desvios que lhes causam sofrimento e incertezas para um futuro promissor e feliz.

O ser humano, por causa de sua liberdade, é capaz de mudar de rumo com muita facilidade. Ele tem diante de si a opção por um “sim” ou por um “não”, dando-lhe possibilidade muito ampla de escolha e de discernimento conforme as decisões de sua vontade. As consequências dessas decisões são previsíveis, mas nem sempre o homem consegue perceber seu alcance. A disposição a fazer a vontade do Pai é importante e deveria ser nossa busca continua. Como o Evangelho deste domingo deixa claro não basta a disposição ou bom desejo, o importante mesmo é fazer a vontade do nosso Pai que está nos céus.

Podemos afirmar – e o experimentamos continuamente – que o ser humano nunca está totalmente pronto no seu agir. Ele precisa ter consciência de suas próprias limitações e de que é passível de erros. É aí que entra a ação divina, a capacidade de conversão e confiança na misericórdia de Deus. A vida humana é um processo, uma estrada de mão dupla e de busca de realização plena, plenitude essa que não se realiza apenas no humano, a partir da nossa boa vontade. Com confessa o apóstolo Paulo, muitas vezes fazemos o que não queremos e não fazemos aquilo que queremos. Por isso precisamos todos contar com a força da graça divina.

O pano de fundo é o da justiça, que pode ser divina e humana. Dizemos que Deus é justo e as pessoas podem e devem ser justas. É sobre essa plataforma que acontece a realização da pessoa. As injustiças descaracterizam sua identidade e inviabilizam a ação de Deus. O amor vai além da justiça, ele é misericórdia e compaixão, é piedoso e prestativo, abraça toda criatura. O Senhor está perto da pessoa que o invoca, de todo aquele que o invoca lealmente.

Na percepção daquilo que é divino e do que é humano descobrimos que Deus se humanizou para que a pessoa se tornasse divina. Em Jesus, Deus se esvaziou e tomou forma humana. Com isso resgatou quem vive mergulhado em critérios desonestos. Só é capaz de se tornar divino quem fizer um caminho de despojamento do próprio orgulho e reconhecer a presença libertadora de Deus.

Portanto, não se trata de colocar em concorrência a vontade divina e a vontade humana, mas buscar harmonizar a vontade humana com a vontade divina. Isso significa que somos condenados a ter que estar em contínuo discernimento, sempre atentos a busca da vontade de Deus. Esse não é um castigo, mas consequência da nossa liberdade e responsabilidade. Esse é o caminho de uma vida fecunda e da perfeita realização.

Por isso nossa oração constante: “Pai, seja feita vossa vontade assim na terra como no céu”.

Dom Jaime Pedro Kohl – Bispo de Osório

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